Os pacientes vivem esse drama porque as regras do auxílio-doença pago pelo INSS mudaram e foi criada a alta-programada. O trabalhador já sai da perícia médica com um prazo para voltar ao trabalho.
A reportagem especial do Fantástico deste domingo mostra o drama que afeta milhares de brasileiros. São pessoas que têm problemas graves de saúde , mas não conseguem receber o auxílio-doença.
. Veja outras reportagens sobre saúde
Com 23 anos, Bernardo do Nascimento Cosme saiu do interior do Piauí para tentar a vida em Fortaleza. Foi se dando bem e, aos poucos, trouxe a mãe e os irmãos. Há dez anos trabalha com carteira assinada em um restaurante. Começou lavando pratos.
“Depois disso eu trabalhei de ajudante, depois eu fui subindo, virei cozinheiro”, lembra Bernardo.
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Com 23 anos, Bernardo do Nascimento Cosme saiu do interior do Piauí para tentar a vida em Fortaleza. Foi se dando bem e, aos poucos, trouxe a mãe e os irmãos. Há dez anos trabalha com carteira assinada em um restaurante. Começou lavando pratos.
“Depois disso eu trabalhei de ajudante, depois eu fui subindo, virei cozinheiro”, lembra Bernardo.
Em agosto de 2009, já como cozinheiro, Bernardo passou mal.
“Eu fui pegar uma alface na geladeira. Na hora que eu fui abaixar a cabeça, aí deu uma tontura. Quando deu a tontura, eu me sustentei para não cair no chão”, conta.
Foi levado para o hospital. Fizeram um eletrocardiograma de urgência.
“Quando a gente bate o olho, já vê que é uma parada cardíaca ou a iminência de uma parada cardíaca”, explica a cardiologista Vera Marques.
“Para o coração voltar ao normal, me deram choque. Eu fiquei internado por três dias”, diz o cozinheiro.
“Chegou a mais de 300 batimentos por minuto. O normal é até 100 batimentos por minuto”, ressalta Vera.
Bernardo tentou voltar ao trabalho. Não deu. O coração disparava, ele desmaiava. Foi ao INSS e passou a receber o auxílio-doença pago pelo governo.
Há cinco anos, as regras do auxílio-doença pago pelo INSS mudaram. Em 2005, foi criada a chamada alta-programada: o trabalhador já sai da perícia médica com um prazo para voltar ao trabalho.
“Com a alta programada, o ônus agora de comprovar que está doente é do trabalhador e não do INSS como era antigamente”, diz o defensor público da União Ariosvaldo Costa homem.
Para continuar recebendo o auxílio-doença, Bernardo teve que fazer várias perícias, mas depois de quatro meses, passou a ter os pedidos negados.
Ele ouviu as negativas apesar de sempre ter apresentado o laudo que diz que o paciente "deverá evitar qualquer esforço físico, inclusive atividades profissionais, pelo risco de morte súbita".
“Qualquer trabalho que exija esforço físico, que exija muito estresse, muita correria, vai estressar também o coração, vai liberar adrenalina e isso vai favorecer o desencadeamento de arritmias”, explica a médica.
Bernardo tem dois tipos de arritmia no coração. A combinação delas é que o coloca sob risco constante de ter uma parada cardíaca e morrer.
“Ele corre risco trabalhando”, afirma a médica.
Doente e sem dinheiro até para comprar os remédios que precisa, Bernardo entrou em desespero. E voltou ao restaurante.
“Quando eu cheguei lá, eu vesti o uniforme sem dizer nada para ninguém. Aí eu entrei para ir para cozinha e comecei a trabalhar”, lembra.
“Ligaram para o escritório dizendo: ‘o Bernardo voltou a trabalhar'. Aí, eu peguei e disse: 'não pode, não'”, conta o gerente do restaurante Evilásio Dantas.
O gerente viu o laudo da cardiologista. “Aí, eu mandei ele para casa e ir atrás do INSS de novo”, comenta Dantas.
“Minha família me sustenta”, lamenta Bernardo. Bernardo está há mais de um ano sem salário e sem benefício.
Todas as suas esperanças estão na terceira cirurgia a qual vai se submeter. Se der certo, ele volta a trabalhar e para de ser jogado de guichê em guichê no INSS.
A principal crítica contra a alta-programada é o corte automático do benefício. Muitas vezes, o trabalhador não consegue marcar nova perícia antes de o prazo vencer. Ou ele tenta voltar à empresa e não é aceito, por ainda ser considerado doente.
“O trabalhador que o INSS dá alta e o empregador não aceita, na pior fase em que está fragilizado e doente, fica tanto sem o salário e sem o benefício”, diz o defensor.
Mas segundo o INSS, a política de alta-programada é eficiente.
“Logo no início da implantação do modelo, nós tínhamos 1.666 milhão de pessoas com benefício do auxílio-doença, previdenciário ou acidentário. Hoje nós temos 1,385 milhão de pessoas. Considero o sistema eficiente. Quando eu tenho 60% de satisfação dos beneficiários do auxílio-doença sem pedido de prorrogação, me parece e me deixa bastante satisfeito, à primeira vista, que a Previdência presta, sim, um bom serviço na área de perícia médica”, aponta o presidente do INSS Mauro Luciano Hauschild.
Em Porto Alegre, uma faxineira, mãe de cinco filhos, também tenta recuperar o benefício cortado.
A faxineira Jucélia Rodrigues da Silva contribui para o INSS há 25 anos. Ficou doente em agosto do ano passado. Recebeu auxílio-doença com alta programada para dali a dois meses. Pediu prorrogação, mas recebeu alta.
A empresa, porém, disse que Jucélia não tinha condições de voltar. Ela só conseguiu marcar nova perícia para agora, fevereiro. Ficou três meses sem receber nada.
“Jucélia, seu benefício foi concedido até 28 de fevereiro.Estando tudo bem contigo, volta ao trabalho”, disse a atendente do INSS.
“Já faz seis meses que eu estou dependendo do INSS, precisando e agora já venceu o prazo do aluguel. Eu estou saindo de casa. Ela era uma casa simplezinha, mas era onde eu vivia com meus filhos”, lamenta a faxineira.
Com o aluguel vencido, Jucélia foi despejada. “Vou levar só as minhas coisas. A pia e o armário são da casa. O sofá eu deixei porque onde eu vou morar não tem espaço”.
Jucélia é empregada em uma firma de limpeza. “Eu entrei em depressão por problemas financeiros. A depressão começou a aumentar depois que eu tive o casal de gêmeos. Eu estava trabalhando em uma empresa e foi inesperado. Quando eu vi eu estava grávida esperando mais um casal de gêmeos, que eu já tenho as gêmeas. Então, dali em diante, eu me senti diferente. Eu com falta de dinheiro, e as crianças pedindo e outros problemas mais, então eu fiquei nervosa e em um impulso eu soquei o vidro da porta e acabei cortando os pulsos na frente das crianças”, conta Jucélia.
Depois da primeira crise, Jucélia foi internada. Desde então, toma remédios fortes.
“Este novo ela falou que dá tontura, perde um pouco a coordenação motora e também não é para eu levantar muito bruscamente”, revela Jucélia.
O laudo psiquiátrico diz que Jucélia tem: "ideias suicidas e oscilações do humor com períodos de alucinações auditivas. Está incapacitada para o trabalho".
“Não adianta, ela vai ter que subir escada para fazer um tipo de serviço. E se dá uma tontura, se cai de uma escada, cai do segundo andar?”, pergunta o chefe de Jucélia, Ronaldo Reck.
Como pode alguém com alucinações e tontura trabalhar como faxineira? Como pode uma pessoa com risco de morte súbita trabalhar na agitação de uma cozinha de restaurante?
Os peritos do INSS consideram normal haver diferenças entre seus pareceres e os dos médicos que cuidam dos pacientes.
“O médico perito vai avaliar o segurado e vai ver o impacto daquela doença sobre sua vida laboral. Ele pode estar doente, sim, e não estar incapaz. Muitas vezes, existe uma discórdia exatamente nessa linha”, aponta o presidente da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social, Luiz Carlos Argolo.
Dona Antonia Xavier da Silva é arrumadeira num hotel no Centro de São Paulo. Ela não consegue mais dobrar o joelho. Há quase cinco anos, vem passando por perícias e renovando o auxílio-doença.
Foi assim até outubro do ano passado, quando recebeu alta do INSS. As quatro perícias seguintes confirmaram a alta. O benefício foi cortado.
“A última perícia foi dia 7. Eu saí 16h30 daqui, peguei um ônibus, um metrô, depois um trem para chegar lá. E ainda tem que andar bastante. Eu vou me arrastando devagarzinho. Piso o pé direito, só para dizer, o esquerdo tem que segurar todo o meu corpo, porque senão, eu não consigo andar”, explica a arrumadeira.
Sempre que pode, no caminho entre uma perícia e outra, Antonia visita o hotel, onde trabalhou durante 17 anos.
Cesar Hubaika, dono do hotel: Quer dizer que daqui a sete meses a senhora se aposenta?
Dona Antonia:Se Deus quiser.
Cesar Hubaika: E nesses sete meses, eles estão se recusando a pagar o benefício para senhora, alegando que a senhora tem condições de trabalhar?
Dona Antonia: Sim.
Patrão: Tem condições de se abaixar, de limpar embaixo de uma cama? Limpar o chão de um banheiro? Eles acham que a senhora tem condição?
Dona Antonia: Limpar carpete, carregar aquele monte de roupas, descer escada, subir escada. É difícil. Não é fácil.
“A Dona Antonia é portadora, entre outras situações, de osteoartrose de joelho,
que nada mais é do que um desgaste da articulação, desgaste da junta, da cartilagem e de todas as estruturas que acompanham a articulação. Ela já está em uma fase avançada, o desgaste é muito acentuado. A atividade física dela de trabalho também leva à incapacidade”, explica o diretor de reabilitação da Santa Casa de São Paulo Claudio Gomes.
A Justiça está cheia de processos contra a alta-programada. O programa começou a ser questionado em 2006 com uma série de ações, de sindicatos, da Defensoria da União e da Procuradoria Geral da República. Ao todo são 31 ações judiciais coletivas. Também existem ações individuais. Só em São Paulo, são 180 mil, segundo a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas.
Em 2009, saiu a primeira decisão, da Justiça Federal da Bahia, determinando que o INSS não suspenda o pagamento do auxílio-doença se o trabalhador pedir a prorrogação do benefício. O INSS recorreu da decisão. O caso aguarda agora julgamento definitivo no Tribunal Regional Federal da 1ª região, em Brasília. A decisão que sair será válida para todo o país.
Dona Antonia aguarda na fila do SUS o momento de fazer uma cirurgia e colocar uma prótese no joelho.
“Eu prefiro trabalhar, que com meu trabalho, eu como, eu bebo, eu visto, eu faço tudo. E, no dia do seu pagamento, você recebe seu pagamento, você sabe o que você vai fazer. Agora, eu espero que um filho vem me dar R$ 100, outro me dá R$ 60. O que pode me dá R$ 100. O que não pode, me dá metade, ou então traz uma cesta de alimento. É assim. Hoje mesmo, uma veio deixar dois pacotes de café para mim”, se emociona.
Jucélia não sabe se a médica da empresa vai autorizar sua volta no final deste mês, como quer o INSS. Ela ainda não se sente bem.
“Sempre passei por essas dificuldades, mas sempre trabalhando. Sempre honestamente. Mas agora, no momento que eu mais preciso não tenho nada. A gente trabalha com carteira assinada, fica feliz. Tenho uma carteira assinada, contribuindo e tudo. Não adiantou de nada”, lamenta.
A cirurgia do Bernardo durou três horas e deu certo. O risco de morte súbita foi afastado. “Eu só quero uma coisa: eu não quero depender do INSS. Eu quero trabalhar, você sabe que eu quero trabalhar”.
Esta semana, 15 dias depois da cirurgia, a médica liberou Bernardo para voltar a trabalhar, mas não na cozinha. A partir de segunda-feira, ele deve atender no balcão do café. Bernardo entrou com processo na Justiça. Quer o dinheiro de um ano inteiro em que esteve doente, mas não recebeu auxílio-doença.
No Senado, um projeto de lei propõe o fim da alta-programada. Mas o presidente do INSS considera que o sistema deu mais agilidade ao atendimento por evitar perícias frequentes. Reconhece, porém, que é preciso melhorá-lo.
“Obviamente que o nosso papel é aperfeiçoar, nosso papel é melhorar. Mas a situação atual, ela é bastante positiva, sempre, claro, passível de pontualmente a gente ter um problema que, às vezes, está associado a pessoas e não é próprio à instituição e que a gente precisa, sendo notificado, buscar, identificar qual o problema e construir soluções”, conclui o presidente do INSS.
“Eu fui pegar uma alface na geladeira. Na hora que eu fui abaixar a cabeça, aí deu uma tontura. Quando deu a tontura, eu me sustentei para não cair no chão”, conta.
Foi levado para o hospital. Fizeram um eletrocardiograma de urgência.
“Quando a gente bate o olho, já vê que é uma parada cardíaca ou a iminência de uma parada cardíaca”, explica a cardiologista Vera Marques.
“Para o coração voltar ao normal, me deram choque. Eu fiquei internado por três dias”, diz o cozinheiro.
“Chegou a mais de 300 batimentos por minuto. O normal é até 100 batimentos por minuto”, ressalta Vera.
Bernardo tentou voltar ao trabalho. Não deu. O coração disparava, ele desmaiava. Foi ao INSS e passou a receber o auxílio-doença pago pelo governo.
Há cinco anos, as regras do auxílio-doença pago pelo INSS mudaram. Em 2005, foi criada a chamada alta-programada: o trabalhador já sai da perícia médica com um prazo para voltar ao trabalho.
“Com a alta programada, o ônus agora de comprovar que está doente é do trabalhador e não do INSS como era antigamente”, diz o defensor público da União Ariosvaldo Costa homem.
Para continuar recebendo o auxílio-doença, Bernardo teve que fazer várias perícias, mas depois de quatro meses, passou a ter os pedidos negados.
Ele ouviu as negativas apesar de sempre ter apresentado o laudo que diz que o paciente "deverá evitar qualquer esforço físico, inclusive atividades profissionais, pelo risco de morte súbita".
“Qualquer trabalho que exija esforço físico, que exija muito estresse, muita correria, vai estressar também o coração, vai liberar adrenalina e isso vai favorecer o desencadeamento de arritmias”, explica a médica.
Bernardo tem dois tipos de arritmia no coração. A combinação delas é que o coloca sob risco constante de ter uma parada cardíaca e morrer.
“Ele corre risco trabalhando”, afirma a médica.
Doente e sem dinheiro até para comprar os remédios que precisa, Bernardo entrou em desespero. E voltou ao restaurante.
“Quando eu cheguei lá, eu vesti o uniforme sem dizer nada para ninguém. Aí eu entrei para ir para cozinha e comecei a trabalhar”, lembra.
“Ligaram para o escritório dizendo: ‘o Bernardo voltou a trabalhar'. Aí, eu peguei e disse: 'não pode, não'”, conta o gerente do restaurante Evilásio Dantas.
O gerente viu o laudo da cardiologista. “Aí, eu mandei ele para casa e ir atrás do INSS de novo”, comenta Dantas.
“Minha família me sustenta”, lamenta Bernardo. Bernardo está há mais de um ano sem salário e sem benefício.
Todas as suas esperanças estão na terceira cirurgia a qual vai se submeter. Se der certo, ele volta a trabalhar e para de ser jogado de guichê em guichê no INSS.
A principal crítica contra a alta-programada é o corte automático do benefício. Muitas vezes, o trabalhador não consegue marcar nova perícia antes de o prazo vencer. Ou ele tenta voltar à empresa e não é aceito, por ainda ser considerado doente.
“O trabalhador que o INSS dá alta e o empregador não aceita, na pior fase em que está fragilizado e doente, fica tanto sem o salário e sem o benefício”, diz o defensor.
Mas segundo o INSS, a política de alta-programada é eficiente.
“Logo no início da implantação do modelo, nós tínhamos 1.666 milhão de pessoas com benefício do auxílio-doença, previdenciário ou acidentário. Hoje nós temos 1,385 milhão de pessoas. Considero o sistema eficiente. Quando eu tenho 60% de satisfação dos beneficiários do auxílio-doença sem pedido de prorrogação, me parece e me deixa bastante satisfeito, à primeira vista, que a Previdência presta, sim, um bom serviço na área de perícia médica”, aponta o presidente do INSS Mauro Luciano Hauschild.
Em Porto Alegre, uma faxineira, mãe de cinco filhos, também tenta recuperar o benefício cortado.
A faxineira Jucélia Rodrigues da Silva contribui para o INSS há 25 anos. Ficou doente em agosto do ano passado. Recebeu auxílio-doença com alta programada para dali a dois meses. Pediu prorrogação, mas recebeu alta.
A empresa, porém, disse que Jucélia não tinha condições de voltar. Ela só conseguiu marcar nova perícia para agora, fevereiro. Ficou três meses sem receber nada.
“Jucélia, seu benefício foi concedido até 28 de fevereiro.Estando tudo bem contigo, volta ao trabalho”, disse a atendente do INSS.
“Já faz seis meses que eu estou dependendo do INSS, precisando e agora já venceu o prazo do aluguel. Eu estou saindo de casa. Ela era uma casa simplezinha, mas era onde eu vivia com meus filhos”, lamenta a faxineira.
Com o aluguel vencido, Jucélia foi despejada. “Vou levar só as minhas coisas. A pia e o armário são da casa. O sofá eu deixei porque onde eu vou morar não tem espaço”.
Jucélia é empregada em uma firma de limpeza. “Eu entrei em depressão por problemas financeiros. A depressão começou a aumentar depois que eu tive o casal de gêmeos. Eu estava trabalhando em uma empresa e foi inesperado. Quando eu vi eu estava grávida esperando mais um casal de gêmeos, que eu já tenho as gêmeas. Então, dali em diante, eu me senti diferente. Eu com falta de dinheiro, e as crianças pedindo e outros problemas mais, então eu fiquei nervosa e em um impulso eu soquei o vidro da porta e acabei cortando os pulsos na frente das crianças”, conta Jucélia.
Depois da primeira crise, Jucélia foi internada. Desde então, toma remédios fortes.
“Este novo ela falou que dá tontura, perde um pouco a coordenação motora e também não é para eu levantar muito bruscamente”, revela Jucélia.
O laudo psiquiátrico diz que Jucélia tem: "ideias suicidas e oscilações do humor com períodos de alucinações auditivas. Está incapacitada para o trabalho".
“Não adianta, ela vai ter que subir escada para fazer um tipo de serviço. E se dá uma tontura, se cai de uma escada, cai do segundo andar?”, pergunta o chefe de Jucélia, Ronaldo Reck.
Como pode alguém com alucinações e tontura trabalhar como faxineira? Como pode uma pessoa com risco de morte súbita trabalhar na agitação de uma cozinha de restaurante?
Os peritos do INSS consideram normal haver diferenças entre seus pareceres e os dos médicos que cuidam dos pacientes.
“O médico perito vai avaliar o segurado e vai ver o impacto daquela doença sobre sua vida laboral. Ele pode estar doente, sim, e não estar incapaz. Muitas vezes, existe uma discórdia exatamente nessa linha”, aponta o presidente da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social, Luiz Carlos Argolo.
Dona Antonia Xavier da Silva é arrumadeira num hotel no Centro de São Paulo. Ela não consegue mais dobrar o joelho. Há quase cinco anos, vem passando por perícias e renovando o auxílio-doença.
Foi assim até outubro do ano passado, quando recebeu alta do INSS. As quatro perícias seguintes confirmaram a alta. O benefício foi cortado.
“A última perícia foi dia 7. Eu saí 16h30 daqui, peguei um ônibus, um metrô, depois um trem para chegar lá. E ainda tem que andar bastante. Eu vou me arrastando devagarzinho. Piso o pé direito, só para dizer, o esquerdo tem que segurar todo o meu corpo, porque senão, eu não consigo andar”, explica a arrumadeira.
Sempre que pode, no caminho entre uma perícia e outra, Antonia visita o hotel, onde trabalhou durante 17 anos.
Cesar Hubaika, dono do hotel: Quer dizer que daqui a sete meses a senhora se aposenta?
Dona Antonia:Se Deus quiser.
Cesar Hubaika: E nesses sete meses, eles estão se recusando a pagar o benefício para senhora, alegando que a senhora tem condições de trabalhar?
Dona Antonia: Sim.
Patrão: Tem condições de se abaixar, de limpar embaixo de uma cama? Limpar o chão de um banheiro? Eles acham que a senhora tem condição?
Dona Antonia: Limpar carpete, carregar aquele monte de roupas, descer escada, subir escada. É difícil. Não é fácil.
“A Dona Antonia é portadora, entre outras situações, de osteoartrose de joelho,
que nada mais é do que um desgaste da articulação, desgaste da junta, da cartilagem e de todas as estruturas que acompanham a articulação. Ela já está em uma fase avançada, o desgaste é muito acentuado. A atividade física dela de trabalho também leva à incapacidade”, explica o diretor de reabilitação da Santa Casa de São Paulo Claudio Gomes.
A Justiça está cheia de processos contra a alta-programada. O programa começou a ser questionado em 2006 com uma série de ações, de sindicatos, da Defensoria da União e da Procuradoria Geral da República. Ao todo são 31 ações judiciais coletivas. Também existem ações individuais. Só em São Paulo, são 180 mil, segundo a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas.
Em 2009, saiu a primeira decisão, da Justiça Federal da Bahia, determinando que o INSS não suspenda o pagamento do auxílio-doença se o trabalhador pedir a prorrogação do benefício. O INSS recorreu da decisão. O caso aguarda agora julgamento definitivo no Tribunal Regional Federal da 1ª região, em Brasília. A decisão que sair será válida para todo o país.
Dona Antonia aguarda na fila do SUS o momento de fazer uma cirurgia e colocar uma prótese no joelho.
“Eu prefiro trabalhar, que com meu trabalho, eu como, eu bebo, eu visto, eu faço tudo. E, no dia do seu pagamento, você recebe seu pagamento, você sabe o que você vai fazer. Agora, eu espero que um filho vem me dar R$ 100, outro me dá R$ 60. O que pode me dá R$ 100. O que não pode, me dá metade, ou então traz uma cesta de alimento. É assim. Hoje mesmo, uma veio deixar dois pacotes de café para mim”, se emociona.
Jucélia não sabe se a médica da empresa vai autorizar sua volta no final deste mês, como quer o INSS. Ela ainda não se sente bem.
“Sempre passei por essas dificuldades, mas sempre trabalhando. Sempre honestamente. Mas agora, no momento que eu mais preciso não tenho nada. A gente trabalha com carteira assinada, fica feliz. Tenho uma carteira assinada, contribuindo e tudo. Não adiantou de nada”, lamenta.
A cirurgia do Bernardo durou três horas e deu certo. O risco de morte súbita foi afastado. “Eu só quero uma coisa: eu não quero depender do INSS. Eu quero trabalhar, você sabe que eu quero trabalhar”.
Esta semana, 15 dias depois da cirurgia, a médica liberou Bernardo para voltar a trabalhar, mas não na cozinha. A partir de segunda-feira, ele deve atender no balcão do café. Bernardo entrou com processo na Justiça. Quer o dinheiro de um ano inteiro em que esteve doente, mas não recebeu auxílio-doença.
No Senado, um projeto de lei propõe o fim da alta-programada. Mas o presidente do INSS considera que o sistema deu mais agilidade ao atendimento por evitar perícias frequentes. Reconhece, porém, que é preciso melhorá-lo.
“Obviamente que o nosso papel é aperfeiçoar, nosso papel é melhorar. Mas a situação atual, ela é bastante positiva, sempre, claro, passível de pontualmente a gente ter um problema que, às vezes, está associado a pessoas e não é próprio à instituição e que a gente precisa, sendo notificado, buscar, identificar qual o problema e construir soluções”, conclui o presidente do INSS.
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