sábado, 24 de setembro de 2011

Copa do mundo x meia entrada: Quem ganha esta batalha?



O pacote de normas constantes no projeto da Lei Geral da Copa tem causado um verdadeiro alvoroço no mundo desportivo nestes últimos meses, sendo que dentre os pontos polêmicos está à vedação da meia-entrada para estudantes e idosos.

Pela Lei Geral da Copa, ficaria impedido o uso da meia-entrada ou qualquer tipo de desconto na aquisição dos ingressos, salvo se a FIFA estipulasse o contrário, vez que a fixação do preço fica a cargo exclusivo dessa entidade.

Apesar da atual redação do Projeto da Lei Geral da Copa, a meia entrada para idosos foi garantida por Lei Federal, cuja alteração seria difícil e não conveniente, como asseverou o Ministro dos Esportes.

O Projeto da Lei Geral da Copa, registrado sobre o n.° 2.330/11, prevê um pacote de medidas relativas aos eventos esportivos da Copa do Mundo de 2014, sendo transcrito e destacado abaixo, os artigos sobre esse assunto:
 “Art. 32. O preço dos Ingressos será determinado pela FIFA.”
“Art. 33. Os critérios para cancelamento, devolução e reembolso de Ingressos, assim como para alocação, realocação, marcação, remarcação e cancelamento de assentos nos locais dos Eventos serão definidos pela FIFA, a qual poderá inclusive dispor sobre a possibilidade:”
“I - de modificar datas, horários ou locais dos Eventos, desde que seja concedido o direito ao reembolso do valor do Ingresso ou o direito de comparecer ao Evento remarcado;”
“II - da venda de Ingresso de forma avulsa ou conjuntamente com pacotes turísticos ou de hospitalidade; e”
“III - de estabelecimento de cláusula penal no caso de desistência da aquisição do Ingresso após a confirmação de que o pedido de Ingresso foi aceito ou após o pagamento do valor do Ingresso, independentemente da forma ou do local da submissão do pedido ou da aquisição do Ingresso.”
“Art. 34. São condições para o acesso e permanência de qualquer pessoa nos Locais Oficiais de Competição, entre outras:”
“I - estar na posse de Ingresso ou documento de credenciamento, devidamente emitido pela FIFA ou pessoa por ela indicada;”
...(omissis)
 “Parágrafo único. O não cumprimento de condição estabelecida neste artigo implicará a impossibilidade de ingresso da pessoa no Local Oficial de Competição ou o seu afastamento imediato do recinto, sem prejuízo de outras sanções administrativas, civis ou penais.”

É possível observar pelas redações acima que além da fixação dos valores dos ingressos, a FIFA também responsável pela venda e sobre os critérios de fixação de reembolsos e multas.

E, adotando como critério a última copa realizada na África do Sul, os ingressos variaram entre R$ 150,00 R$ 1.500,00, conforme os estádios, seleções em disputa e a importância do jogo, sendo que os valores os valores impostos aos jogos mais importantes dificilmente poderão ser assistidos pelos estudantes e idosos, caso realmente seja negado o pagamento diferenciado.

Sem contar que a meia-entrada foi um marco na evolução estudantil da UNE, que ainda na década de 40, conseguiu instituir tal benefício aos estudantes, regulada atualmente por Leis Estaduais e Municipais, antes de se tornar a “chapa branca” do atual governo, especialmente após a postura omissa adotada no caso do mensalão (na mesma época que receberam incentivos do governo federal na ordem de R$ 3 milhões de reais).

A UNE já foi presidida inclusive por Orlando Silva, no período entre 1995 a 1997. O agora Ministro, quando anunciava o que seria o futuro projeto da Lei Geral da Copa, ainda em 2010, em momento algum se pronunciava sobre questões de meia-entrada ou mesmo descontos e isenções nas partidas, reduzindo-se apenas a mostrar os planos para a tentativa de diminuição da venda irregular de ingressos.

O direito e meia-entrada, no âmbito federal, encontra seu marco inicial na Medida Provisória n.° 2.208/2001, que retirou o monopólio da UNE e da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes) sobre o direito de emissão de carteiras, conforme redação abaixo:

Art. 1o A qualificação da situação jurídica de estudante, para efeito de obtenção de eventuais descontos concedidos sobre o valor efetivamente cobrado para o ingresso em estabelecimentos de diversão e eventos culturais, esportivos e de lazer, será feita pela exibição de documento de identificação estudantil expedido pelos correspondentes estabelecimentos de ensino ou pela associação ou agremiação estudantil a que pertença, inclusive pelos que já sejam utilizados, vedada a exclusividade de qualquer deles.” (grifado)
“Parágrafo único  O disposto no caput deste artigo aplica-se nas hipóteses em que sejam oferecidos descontos a estudantes pelos transportes coletivos públicos locais, acompanhada do comprovante de matrícula ou de freqüência escolar fornecida pelo seu estabelecimento de ensino.”
“Art. 2o  A qualificação da situação de menoridade não superior a dezoito anos, para efeito da obtenção de eventuais descontos sobre o valor efetivamente cobrado para o ingresso em estabelecimentos de diversão e eventos culturais, esportivos e de lazer, será feita pela exibição de documento de identidade expedido pelo órgão público competente.”
Por óbvio, a UNE é contra o dispositivo legal, não reconhecendo sua validade.

O Estatuto do Idoso, Lei Federal n.° 10.741/2003, estabelece que:


“Art. 23. A participação dos idosos em atividades culturais e de lazer será proporcionada mediante descontos de pelo menos 50% (cinqüenta por cento) nos ingressos para eventos artísticos, culturais, esportivos e de lazer, bem como o acesso preferencial aos respectivos locais.”


O atual presidente da UNE, Daniel Iliescu, adotou uma postura menos complacente que o seu antecessor, dizendo que até pode se opor à restrição dos direitos, “se a gente enxergar que ele está ameaçado”. Ele ainda arrematou que “Por enquanto, não há desapontamento. Pelo contrário. A gente fica, de certa forma, até orgulhoso mantendo essa relação de independência e distanciamento necessário entre a UNE e o ministério.”

Os critérios normativos do Projeto da Lei Geral da Copa ainda não foram totalmente definidos, sendo que a versão final do anteprojeto deverá passar pelo crivo da Presidenta Dilma Rousseff.

O regime de tramitação foi definido como prioritário e, antes da aprovação final pela presidenta, deverá ser aprovado pelas Câmaras dos Deputados e do Senado Federal. O último andamento encontra-se datado de 20/09/2011, onde foi remetido a diversas comissões, com determinação da criação de Comissão Especial para apreciar a matéria, nos termos do art. 34, II, do Regimento.

O projeto, num modo geral, apresenta-se como uma das séries de medidas necessárias à adequação do sistema legal brasileiro aos moldes internacionais, cujo início das alterações normativas significativas de uniformização e harmonização com os diplomas padrões da FIFA deu-se ainda em 2010. Basta lembrar das leis que instituíram diversas isenções fiscais a entidade, no final do ano passado.

É certo que o estudante ou idoso não custeiam seus similares, sendo que o valor do benefício é diluído pela FIFA no valor dos demais pagantes ou nos demais fundos obtidos.

Mesmo o desconto de até 50% do valor final do ingresso não deixará de influenciar no lucro da FIFA em relação aos demais ingressos pagos, vez que o percentual da diferença agregada aos que pagam a integralidade dos tickets, torna o benefício praticamente inexistente.

O cenário atual é ainda pior, porque sem nenhuma concorrência, os preços estabelecidos pela FIFA não terão qualquer diminuição natural.

A FIFA já obteve no final de 2010 isenções tributárias infinitamente superiores ao dinheiro que obterão com a venda dos ingressos das partidas, não restando motivação plausível para qualquer restrição normativa. Mas, o atual cenário econômico-político montado para a realização da Copa do Mundo, especialmente a pressão exercida pelas entidades internacionais, em conjunto com a inexpressiva participação da UNE quando as matérias são contrárias ao posicionamento do atual governo, não permitirão qualquer mudança, caso a FIFA assim determine.

De qualquer sorte, o direito a meia-entrada pelos estudantes e idosos deveria ser preservada, notadamente pelos aspectos econômicos, financeiros, atuariais e sociais que envolvem as práticas esportivas desta magnitude em consideração aos espectadores que precisam desta tutela estatal para obterem a discriminação positiva capaz de propiciar o comparecimento aos jogos.

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Informações para a Imprensa:

Guilherme Pessoa Franco de Camargo é advogado do escritório Pereira, Camargo & Lara – Advogados Associados, atuante nas áreas de Direito Empresarial e Previdenciário, em Campinas e região.
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